O papel do Serviço de Saúde do 1º GAvCa foi duplamente importante na Campanha da Itália. Por um lado, os cuidados de higiene e médico cirúrgicos com os feridos em combate ou acometidos de doenças. Por outro, o papel de psicólogo que se infiltra entre os pilotos, mora e convive com eles, conversando e ouvindo suas confissões e descobrindo, assim, aqueles que estão fraquejando ou assustados e cuidando deles.  Ao ocorrer o deslocamento do 1º GAvCa dos EUA para a Itália o Serviço de Saúde do Grupo já se encontrava perfeitamente organizado dentro dos moldes do serviço equivalente na US Army Air Force, contando com cinco médicos, seis enfermeiras, um enfermeiro escriturário, cinco enfermeiros, um motorista e uma. enfermeira da USAAF fazendo o papel de ligação.

Após a chegada a Itália, o Serviço de Saúde foi dividido em duas equipes com tarefas distintas:

Equipe de Acantonamento

Equipe encarregada da vigilância sanitária, atendimento médico imediato e assistência médica especializada dos pilotos, trabalhando junto à tropa, dentro dos acantonamentos de Tarquínia e depois Pisa.

Composição inicial Composição final
- 2 médicos
- 4 enfermeiros
- 1 enfermeiro escriturário
- 1 motorista
- 3 médicos
- 1 dentista
- 4 enfermeiros
- 1 enfermeiro 
- 1 motorista
 
Equipe Hospitalar
Equipe encarregada da assistência médica hospitalar dos membros do Grupo em enfermaria hospitalar em hospitais americanos, razão pela qual a esta foi alocada a enfermeira americana que acompanhou o GAvCa, com a função de intérprete e ligação. 
Composição inicial Composição final
- 3 médicos
- 1 enfermeira americana
- 6 enfermeiras brasileiras
- 1 enfermeiro
- 2 médicos
- 1 enfermeira americana
- 6 enfermeiras brasileiras
- 1 enfermeiro
- 3 serventes

Enquanto o GAvCa esteve em Tarquínia, o Serviço de Saúde contou com uma barraca dispensário em campo e uma enfermaria hospitalar no 154th Station Hospital, em Civitavecchia.. Uma vez trasladado para Pisa, o Serviço de Saúde passou a contar com dois dispensários e uma enfermaria de emergência em campo e uma enfermaria hospitalar com 35 leitos disponíveis no 12th General Hospital, em Livorno, leitos esses distribuídos em três enfermarias: uma para oficiais, outra para praças e a terceira para os portadores de infecções sexualmente transmissíveis.

Corpo Médico

Integraram o Corpo Médico do 1º GAvCa os seguintes oficiais:

Originais
Cap. Med. Clóvis Cardoso de Moraes
Cap. Med. Thomas Emmanuel Girdwood
1º Ten. Med. Adolpho da Rocha Furtado
2º Ten. Med. Cylon Quintaes de Souza
2º Ten. Med. Luthero Sarmanho Vargas
2º Ten. Med. Wilson Vieira Chaves
Recompletamento
Cap. Med. José Ubirajara Cesário Alvim
Cap. Med. Lucilo Velasquez Urrutigaray
1º Ten. Med. Fernando Luiz Martins Ribeiro

O Capitão Médico Clóvis Cardoso de Moraes foi um dos Homens-Chave de Nero Moura, partindo com este e os demais para o treinamento em Orlando e, de lá, para o Panamá, EUA e depois Itália. Foi o único médico disponível no GAvCa durante o treinamento em Orlando e no Panamá, junto a três enfermeiros e um enfermeiro escriturário. O Cap. Thomas Girdwood se juntou a ele nos EUA. Na Itália, serviu no 12th General Hospital em Livorno. Retornou ao Brasil em 24/03/1945 sendo substituído por Girdwod no comando do Serviço de Saúde. Além de seus papéis como médicos, tanto Clovis como Girdwood foram importantes auxiliares do Maj. Nero Moura, informando-o sobre a situação física e psicológica dos pilotos, dividindo também estas informações com o Maj. Oswaldo Pamplona, auxiliando-o a fazer as escalas de voo de acordo com o estado de cada piloto.

Os Tenentes Furtado, Cylon, Luthero e Wilson partiram por via aérea do Rio de Janeiro direto para os EUA em 14/07/1945, e juntaram-se ao Grupo em Suffolk, de onde todo o Corpo Médico foi designado para o Curso de Medicina Militar no Station Hospital de Mitchell Field, Long Island, New York, curso cujos diplomas foram reconhecidos pela American Medical Association e American College of Surgeons. De volta a Suffolk, seguiram para a Itália a bordo do UST Colombie. Luthero serviu na equipe hospitalar enquanto Furtado na de acantonamento, junto à tropa. 

O Capitão Urrutigaray e os Tenentes Cesário Alvim e Fernando Luiz Martins Ribeiro chegaram à Itália em 26/02/1945 com a função de substituir os Ten. Wilson Vieira Chaves, Adolpho da Rocha Furtado e Luthero Vargas. Furtado retornou ao Brasil em 24/03/1945, Luthero em 13/04/1945. e Vieira Chaves poucos dias antes do fim da guerra.

Corpo de Enfermagem

O Corpo de Enfermagem foi formado por seis enfermeiras vindas da Escola de Ana Nery e mais seis enfermeiros vindos do Quadro de Enfermeiros (Q-EF) da FAB. Estes sargentos e suboficiais enfermeiros, apesar do nome, eram na verdade auxiliares de enfermagem, não sendo enfermeiros formados como as enfermeiras formadas na Escola de Enfermagem Ana Nery.

Em agosto de 1944, quando o GAvCa ainda estava em treinamento em Suffolk, Estados Unidos, juntaram-se a ele seis enfermeiras voluntárias da Escola de Ana Nery e que iriam acompanhar o grupo até o final da guerra, assim como os enfermeiros 1º Sgt. Luiz Justino Ribeiro e o Suboficial João Severino Ramos. O grupo de enfermeiras originalmente selecionadas incluía mais duas enfermeiras, Francisca Sampaio Santos e Odete dos Reis Moreira, mas por motivos desconhecidos elas não viajaram com o grupo. 

Enfermeiras
Capitã. Enf. Izaura Barbosa Lima
2ª Ten. Enf. Maria Diva Campos
2ª Ten. Enf. Antonina de Holanda Martins
2ª Ten. Enf. Judith Arêas
2ª Ten. Enf. Regina Cerdeira Bordallo
2ª Ten. Enf. Ocimara Ribeiro Moura
Enfermeiros
Suboficial Armando Carlos da Silva
Suboficial João Severino Ramos
1º Sgt. Luiz Justino Ribeiro
Sd. 2ª Cl. Henrique Jorge Bulcão de Moraes

Merece destaque, ainda, o papel de ligação entre o serviço de saúde da USAAF e o do 1º GAvCa que era exercido pela enfermeira americana 2nd Lt. Joella Wallace do Army Nurse Corps (ANC). A experiência como soldado de Joella foi de grande valia para as enfermeiras brasileiras que, apesar de primarem pela competência e dedicação, careciam de experiência militar. Joella também teve importante papel na integração das enfermeiras brasileiras no 12th General Hospital de Livorno.

Trabalhos Realizados

1) Assistência Médica

O Serviço de Saúde foi o responsável pela assistência médica da tropa tanto nos dispensários em campo como nas enfermarias hospitalares, As doenças que mais afetaram o pessoal do GAvCa foram as das vias aéreas superiores (nasofaringites, sinusites, amigdalites) e as do aparelho geniturinário, seguidas pelas odontológicas e gástricas. Até 19/05/1945 foram realizadas 2397 consultas médicas, com média 319,6 consultas/mês e 10,6 consultas/dia. Um total de 195 doentes baixaram à enfermaria.

Apesar da ótima assistência odontológica prestada pelos consultórios da USAAF no Panamá e nos EUA, destacou-se negativamente a péssima situação da tropa com relação à saúde odontológica, sendo numerosos os casos com tratamentos antigos, mal executados ou incompletos e foram bastante volumosos os casos de atendimentos odontológicos ao Grupo na Itália. Em Suffolk, antes do embarque para a Itália, dos 377 homens que embarcariam apenas 92 estavam em condições de satisfazer as exigências regulamentares relativas aos dentes e nos consultórios dentários da USAAF foram realizadas:

  • 392 extrações dentárias
  • 814 obturações
  • 083 próteses parciais
  • 006 próteses completas

O GAvCa passou a ter atendimento em gabinete dentário próprio apenas dois meses antes do final da guerra, com a chegada de um sargento dentista. De qualquer forma, anteriormente a isso o Serviço de Saúde pode sempre contar com os gabinetes dentários americanos e, nos três últimos meses, também com o da Seção Brasileira de Hospitalização da FEB, em Livorno.

2) Assistência Médica Especializada aos Pilotos

"A tarefa do médico de aviação, embora extremamente interessante, é árdua, difícil e muito delicada. Exige grande tato e habilidade, grande capacidade de observação, senso crítico, dedicação, competência profissional e, até, simpatia pessoal. Não é fácil saber dar o conselho ou a prescrição mais adequada, no momento mais oportuno, da maneira mais aceitável. Não é fácil saber sentir, quase ter a intuição, através de uma frase, de um gesto ou de um comentário aparentemente inconsequente, os pequenos conflitos que atribulam o piloto e lhe podem minar a personalidade. Fazer o balanço das possibilidades orgânicas e psíquicas dos pilotos, identificar as origens e as causas das pequenas alterações de seu comportamento e de rendimento profissional; mantê-los no mais elevado padrão de saúde possível, mostrando-lhes quanto é importante o fator saúde para o êxito em sua profissão; assisti-los sempre com a dedicação do médico e do amigo. Eis a tarefa do médico de aviação."

Extraído do Relatório Final do Serviço de Saúde do 1º GAvCa, maio de 1945

Os médicos do Serviço de Saúde foram importantes auxiliares do Maj. Nero Moura, informando-o sobre a situação física e psicológica dos pilotos. Reza a lenda que, em termos de confidências e confissões, os médicos conseguiam mais dos pilotos do que Monsenhor Librelotto, Capelão do Grupo. Tinham a total confiança dos pilotos e seu papel foi primordial na manutenção do bem-estar psicológico e moral elevada destes. Eram, ao mesmo tempo, médicos, amigos, "padres", pilotos e confidentes

No campo da saúde física, .as nasofaringites foram a maior causa de afastamento dos pilotos do voo, sendo efetivamente bastante elevada. Um forte motivo para isso foi o rigoroso inverno italiano de 1944/45, além das constantes exposições à umidade. Apesar do uso preventivo de efedrina por via nasal antes dos voos, foram frequentes as aerossinusites e aerotites, ambas causadas pelo  desenvolvimento de uma diferença de  pressão entre o  ar dentro da cavidade sinusal ou auricular e o ambiente, diferença essa à qual frequentemente estavam expostos os aviadores devido à diferença de pressão entre as altas altitudes e o solo. A Sala de Operações, inclusive, tinha disponível todo o material necessário à aplicação de efedrina. Aerotites ou aerossinusites eram motivo para afastamento imediato do voo. 

Outro problema nada incomum nos pilotos era o desenvolvimento de hemorroidas ou problemas de coluna devido à pressão da Força G sobre, respectivamente, os vasos sanguíneos e a coluna vertebral nas recuperações dos mergulhos. Por exemplo o Ten. Hélio Carlos Cox, que teve uma fratura não tão grave em uma de suas vértebras durante um mergulho numa lagoa no Panamá, precisou ser afastado definitivamente do voo após seis missões porque a fratura começou a agravar-se exponencialmente devido ás pressões exercidas sobre ela na recuperação dos mergulhos.

Com relação ao cansaço físico e o stress de combate, a utilização dos "Rest Camps" (Campos de Repouso) da USAAF, geralmente um hotel onde eram proporcionados descanso e divertimento, foi de grande importância na recuperação do desgaste dos pilotos, sobretudo o psíquico. 

3) Higiene Militar

Uma das preocupações do Serviço de Saúde era a de por em prática os preceitos de higiene militar de modo a manter sempre um elevado nível de saúde da tropa. De grande valia foi o treinamento nos EUA, voltado especificamente para a saúde no campo militar. Dentro dessa proposta o Serviço de Saúde elaborou um plano de ação que focava em três frentes:

  • Imunizar a tropa contra doenças infecciosas previamente sabidas como presentes no teatro de operações. 
  • Prover a tropa de meios de defesa contra agressões de agentes biológicos e físicos.
  • Realizar um programa de educação sanitária da tropa de modo a estimular a participação e cooperação do pessoal do Grupo

Visando atingir esses objetivos, foram realizados:

  1. Vacinação de todo o pessoal contra varíola, febre tífica, tifo exantemático, febre amarela e tétano.
  2. Vigilância sanitária do pessoal, através de inspeções médicas periódicas e de surpresa, a fim de identificar com antecedência qualquer foco de infecção passível de alastrar-se pela tropa. As inspeções eram mensais, exceto para aqueles que manipulavam alimentos (rancho e cozinha), para os quais as inspeções eram semanais.
  3.  Administração de atebrina como preventivo da Malária, o que inicialmente teve uma certa resistência por parte da tropa porque a atebrina, dizia-se, era "violentamente tóxica para o fígado", preconceito que foi quebrado através de palestras e do uso pelos próprios médicos. Não houve casos de Malária no Grupo.
  4. Vistoria das instalações dos campos de Tarquínia e Pisa, supervisionando a construção ou adequação de instalações sob a óptica da higiene, com tarefas conforme abaixo:
Em Tarquínia
  • Saneamento do local.
  • Construção e disposição de instalações sanitárias.
  • Preparação e disposição de reservatórios de água potável para abastecimento da tropa.
  • Construção de drenos ou escoadouros subterrâneos para resíduos líquidos da cozinha e do rancho.
  • Construção e instalação de lavadores, à água fervente, para marmitas e utensílios de cozinha e rancho.
  • Construção e instalação de incineradores para resíduos sólidos da cozinha e do rancho e do lixo do acampamento.
  • Instalação de estufas para aquecimento de barracas.
  • Proteção individual contra frio e umidade.
 
Em Pisa
  • Adaptação dos edifícios e disposição higiênica de alojamentos para a tropa.
  • Construção e disposição de instalações sanitárias suplementares (latrinas, mictórios, banheiros).
  • Instalação higiênica da cozinha, do rancho e da dispensa de gêneros alimentícios.
  • Abastecimento de água potável.
  • Proteção individual e coletiva contra frio e umidade.

4) Profilaxia de Infecções Sexualmente Transmissíveis

Dado o baixo grau de instrução sanitária relativa às Infecções Sexualmente Transmissíveis do brasileiro em geral - especialmente naquela época - o Serviço de Saúde teve que investir pesadamente num educação para a tropa que abordasse riscos e consequências dessas infecções. Entretanto, dada a facilidade de contato sexual da tropa com a população local, esse programa mostrou-se ineficiente e foram necessárias medidas mais incisivas, como medidas disciplinares que envolviam sanções econômicas; uma vez esclarecidos sobre métodos de contágio e consequências do mesmo, qualquer indivíduo da tropa que contraísse uma IST por ter negligenciado os métodos preventivos explicados sofria castigos disciplinares e sanções econômicas, que obtiveram resultados plenamente satisfatórios.

Ainda que não totalmente zerado, o percentual mensal de IST's apresentado pelo Grupo foi baixo, na casa dos 0,77% (considerando um efetivo médio de 373 homens) correspondentes a 38 casos em 8 meses de Campanha, com um total de 514 dias de afastamento do serviço.

5) Estatísticas

  • Movimento de consultas médicas por mês:
    • 10/1944 - 380
    • 11/1944 - 260
    • 12/1944 - 340
    • 01/1945 - 370
    • 02/1945 - 280
    • 03/1945 - 249
    • 04/1945 - 334
    • 05/1945 - 184 (até 19/05)
  • Na Seção Hospitalar foram realizadas 48 cirurgias conforme abaixo:
    • 01 Aspiração em hemartrose
    • 01 Hemorroidectomia
    • 01 Incisão dorsal peniana
    • 01 Redução cirúrgica de fratura
    • 02 Incisões de fleimão
    • 02 Incisões de cisto
    • 05 Lavagens de seios maxilares
    • 07 Apendicectomias
    • 06 Cirurgias de varicocele
    • 11 Amigdalectomias
    • 11 Circuncisões
  • Foram realizados nos hospitais em que funcionou a Seção Hospitalar:
    • Exames laboratoriais - 264
    • Exames radiológicos - 92
  • O Serviço de Enfermagem da Seção Hospitalar aplicou:
    • 227 aplicações de infravermelho
    • 52 massagens
    • 2032 injeções (1449 de penincilina)
    • 78 curativos